domingo, 17 de fevereiro de 2008

Textos literários

Textos literários

A análise desse tipo de texto é privilégio do professor de Língua Portuguesa. Quando professores de outras áreas recorrem ao texto literário (letras de canções, poemas, trechos de romances ou contos), geralmente querem aprofundar alguma questão, ou iniciar ou finalizar uma discussão temática.Os professores de Língua Portuguesa abordam o texto literário tanto pela expressão como pelo conteúdo. O autor de um texto literário recria o mundo nas palavras: o que se diz é tão importante quanto o como se diz, por isso a necessidade de se conhecer os múltiplos recursos da linguagem: o uso figurado das palavras,o ritmo e a sonoridade, as seqüências por oposição ou simetria, as repetições expressivas de palavras ou de sons. Realizando-se esse tipo de trabalho e com esses conteúdos, colocamos diante dos olhos deles os recursos de que os autores lançam mão para criar os textos literários. Ensina-se um percurso seguro para a aprendizagem de estratégias de leitura permitam que eles cheguem a uma interpretação.
Mas como abordar o texto literário? Que tipo de análise é interessante propor para que o texto não seja subutilizado? Como despertar no aluno o amor pela literatura?

Primeiros passos
* Começar o trabalho de leitura distinguindo-o do texto não-literário: a ficção é a criação literária e a não-ficção é o escrito acerca de situações da vida.
*Mostrar que textos literários são artísticos, são “obras de arte”.Familiarizar o aluno com a emoção estética para que ele valorize o ato de ler, principalmente o texto literário Os textos pensados artisticamente para produzir emoção podem ser lidos de muitas maneiras, ou seja, podem ter muitas interpretações; eles podem ser escritos em versos ou em prosa.
*Observar os sentidos das palavras (denotação/conotação) em todos os textos.
*Registrar as conclusões em um quadro.

Como abordar os textos literários
Depois de trabalhar o conceito de texto literário – um tipo de texto artístico, de toque poético e ficcional, criado por um autor, que pode inventar ou reinventar o mundo que nos cerca –, o próximo passo é verificar como compreendê-lo e interpretá-lo.
Os autores criam textos para os leitores. Estes devem compreender não só o que está explícito no texto (as linhas), mas também o que não está (as entrelinhas).

Poesia-O fazer poético da poesia
Fazendo referência ao sentido original da palavra, há quem conceba a poesia como a realização da poiesis, que é “a atividade de produção artística”, “a atividade de criar ou de fazer”. Inúmeras definições de poesia foram concebidas. O que fica nítido é a idéia de que a poesia vai além do poema... Sempre que somos dominados pelo sentimento do belo, que vislumbramos aquilo que há de mais elevado e comovente nas pessoas e nas coisas, criamos ou fazemos poesia.
Assim, as estratégias e os conceitos usados para a leitura do poema abaixo pode ser aplicada à leitura de outros poemas. Nos livros didáticos a abordagem do poema é feita como a de outros gêneros de texto: buscam-se informações, passagens complicadas, são feitas cópias e resumos de estrofes, exercita-se a gramática, sem explorar os recursos textuais essenciais desse gênero: disposição gráfica na página, o tamanho dos versos, as figuras de linguagem,o uso figurado das palavras, as repetições expressivas etc.
O trabalho com o gênero inicia com a delimitação dos:

Objetivos da leitura
• Aprofundar a reflexão sobre o valor do poeta e da poesia.
• Conhecer alguns recursos da linguagem poética: a antítese e a metáfora.
• Revisar conteúdos trabalhados na leitura anterior
Antes da leitura
• Proponha aos alunos que reflitam sobre a maneira que os poetas escrevem sobre o mundo. Em que os poemas diferem dos textos jornalísticos e científicos?
• Há poemas muito antigos que até hoje continuam sendo lidos e analisados. Qual a razão (ou razões) por que alguns poemas nunca morrem?
• Entregue aos alunos uma cópia do texto: o que observam da formatação do texto?
É um poema? Por quê?
Os versos têm a mesma medida? Há rimas?
O título do texto sugere o quê? Consulte o verbete “motivo” em um bom dicionário.
Apresente os sentidos aos alunos. Depois da leitura, decida junto com os alunos qual sentido tem mais a ver com o poema.
“Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
mais nada.” (MEIRELES, 1985, p. 81.)
Durante a leitura
• Peça aos alunos que leiam o texto silenciosamente.
• Recomendamos que você leia o poema. Comente com os alunos como deve sera leitura dos versos com falsa terminação.
• Esclarecer o sentido de algumas palavras: “fugidias”, “edifico” etc.
• Na segunda leitura, realizada pelo professor, é importante comentar alguns trechos do poema. Ao longo do texto há idéias sobre o poeta e a poesia. Na primeira estrofe, o eu-lírico explicita a causa que o leva a cantar: o instante existe (o
motivo?). Há, no verso 3, uma antítese: “Não sou alegre nem sou triste”. Aqui é preciso falar sobre as figuras de linguagem, expressões usadas para criar efeitos de expressividade. A antítese é uma figura da qual muitas vezes os poetas lançam mão. Consiste em colocar, numa mesma frase, duas palavras ou dois pensamentos
de sentido contrário. Muitas antíteses aparecerão no poema. Todas se referem ao poeta, não à poesia. Por quê? Uma hipótese possível é esta: expor o caráter transitório do poeta em face da eternidade da poesia. O poeta não é alegre nem
triste, não sente gozo nem tormento, não sabe se desmorona ou edifica... A poesia, por sua vez, tem “sangue eterno”.
• Na segunda e terceira estrofes, a autora continua tratando do poeta. Ressalte,em sua leitura, as antíteses. A idéia desenvolvida é de indefinição, corroborada pelo fato de o poeta ser irmão das coisas fugidias, pela repetição da expressão “não sei”.
• Na última estrofe aparece a oposição maior, que não está explícita no texto. A transitoriedade do poeta opõe-se à perenidade da canção. A metáfora “tem sangue eterno a asa ritmada” revela o poder da poesia. É importante que você
ensine aos alunos que metáfora é uma figura de linguagem que ocorre quando você substitui um termo por outro, em função de algum ponto de contato, de alguma semelhança entre os termos. Em que a poesia se assemelha ao sangue?
Ao sangue eterno?
Depois da leitura
• Construção da síntese semântica do texto. Nesse momento é hora de resgatar o que foi discutido sobre o poema durante a aula. Proponha, por escrito, algumas questões:
a) O poema “Motivo” de Cecília Meireles trata do poeta e da poesia. Que idéias o poema apresenta sobre o poeta? E sobre a poesia?
b) Por que as antíteses que aparecem no texto estão sempre relacionadas ao poeta?
c) Há, na última estrofe, uma oposição que não está explícita entre a canção e o poeta. Qual é a oposição? Como interpretá-la?
d) Por que a autora usou uma metáfora para referir-se à poesia?
• Depois de os alunos responderem às questões, discuta com eles as respostas.
Escreva algumas na lousa; se necessário, procure enriquecê-las.
• Retome o quadro com as características do gênero do texto anterior. No item
“características lingüísticas”, acrescente o uso das figuras de linguagem. Faça outras modificações, se você e os alunos julgarem necessário.
• Proponha aos alunos que tragam poemas para que se monte uma antologia poética.





As capacidades necessárias para a alfabetização –Miriam Lemle

Para que uma pessoa possa aprender a ler e a escrever, há alguns saberes que ela precisa atingir e algumas percepções que ela deve realizar conscientemente. Quais são esses saberes e essas percepções, e como ajudar o alfabetizando a atingi-los?
0 que o alfabetizando precisa saber?
A primeira coisa que a criança precisa saber é o que representam aqueles risquinhos pretos em uma página branca. Esse conhecimento não é tão simples quanto parece a quem já o incorporou há muitos anos ao seu saber. Observe que, para entender que os risquinhos no papel são símbolos de sons da fala, é necessário compreender o que é um símbolo.
A idéia de símbolo é bastante complicada. Uma coisa é símbolo de outra sem que nenhuma característica sua seja semelhante a qualquer característica da coisa simbolizada. Tomemos alguns exemplos de símbolos. Cor vermelha, no sinal de trânsito, simboliza a instrução Pare. A cor verde simboliza a instrução Ande. 0 dedo polegar voltado para cima simboliza a informação Tudo bem. Bandeira branca, na praia, simboliza Mar calmo. Uma bandeira listada de preto e vermelho, no Rio de Janeiro, simboliza o Clube Flamengo. Esses exemplos de símbolos de uso comum em nossa vida servem para ilustrar a idéia de que a relação entre um símbolo e a coisa que ele simboliza é inteiramente arbitrária, ou seja, a razão da forma de um símbolo não está nas características da coisa simbolizada.
Uma criança que ainda não consiga compreender o que seja uma relação simbólica entre dois objetos não conseguirá aprender a ler.
Vamos ao segundo problema. As letras, para quem ainda não se alfabetizou, são risquinhos pretos na página branca. 0 aprendiz precisa ser capaz de entender que cada um daqueles risquinhos vale como símbolo de um som da fala. Assim sendo, o aprendiz deve poder discriminar as formas das letras. As letras do nosso alfabeto têm formas bastante semelhantes, e por isso a capacidade distingui-las exige - refinamento na percepção. Tomemos alguns exemplos. A letra p e a letra b diferem apenas na direção da haste vertical, colocada abaixo da linha de apoio ou acima dela. 0 b e o d diferem apenas na posição da barriguinha em relação à haste. 0 p e o q diferem entre si por esse mesmo traço, isto é, a posição da barriquinha. Note que os objetos manipulados em nosso dia-a-dia não se transformam, ao mudarem de posição.
Uma escova de dentes é sempre uma escova de dentes, esteja virada para cima ou para baixo. Um copo de cabeça para baixo, ainda é um copo. Mas um b com haste para baixo vira p, e um p virado para o outro lado vira q. Do mesmo modo, um n com uma corcova a mais vira m, um e alongado para cima passa a valer l, um a sem o seu cabinho passa a ser o e assim por diante. São sutis as diferenças que determinam a distinção entre as letras do alfabeto. A criança que não leva em conta conscientemente essas percepções visuais finas não aprende a ler.
0 terceiro problema para o aprendiz é a conscientização da percepção auditiva. Se as letras simbolizam sons da fala, é preciso saber ouvir diferenças lingüisticamente relevantes entre esses sons, de modo que se possa escolher a letra certa para simbolizar cada som. A diferença sonora entre as palavras pé e fé, por exemplo, está apenas na qualidade da consoante inicial: o [p] é uma consoante oclusiva, enquanto o [f] é fricativa. As palavras toca e doca, tia e dia distinguem-se por outra característica de suas consoantes iniciais: a consoante [t] é enunciada sem voz, enquanto a consoante [d] é enunciada com voz. As palavras vim e vi têm como única diferença de pronúncia o traço de nasalidade da vogal.
Convém lembrar que quando nos referimos a sons da fala, colocamos o símbolo entre colchetes. Essa é uma convenção de notação utilizada nos estudos de fonética. Quando se tratar de letras, o símbolo virá grifado.
É claro que só será capaz de escrever aquele que tiver a capacidade de perceber as unidades sucessivas de sons da fala utilizadas para enunciar as palavras e de distingui-Ias conscientemente umas das outras. Note que a análise a ser feita pela pessoa é bem sutil: ela deve ter consciência dos pedacinhos que compõem a corrente da fala e perceber as diferenças de som pertinentes à diferença de letras.
Recapitulando, essas três capacidades analisadas são as partes componentes da capacidade de fazer uma ligação simbólica entre sons da fala e letras do alfabeto. A primeira é a capacidade de compreender a ligação simbólica entre letras e sons da fala. A segunda é a capacidade de enxergar as distinções entre as letras. A terceira é a capacidade de ouvir e ter consciência dos sons da fala,com suas distinções relevantes língua .
Mas a escrita contém, ainda, outras idéias escondidas.
A corrente de sons que emitimos ao falar é a representação de um sentido,de um conteúdo mental.Certas seqüências de unidades de som correspondem a unidades de sentido, ou conceitos. Por exemplo: a seqüência de sons [pEI representa a unidade de sentido extremidade dos membros inferiores do corpo humano. A seqüência de sons[ali] representa a unidade de sentido em localização longínqua de quem fala. Chamamos de palavras os acasalamentos de som e sentido que utilizamos como tijolos na expressão dos nossos pensamentos. Pois bem. Quem vai aprender a escrever deve saber isolar na corrente da fala as unidades que são palavras, pois essas unidades é que deverão ser escritas entre dois espaços brancos.
Temos aí, então, o quarto problema para o alfabetizando: captar o conceito de palavra. Essa unidade palavra é tão natural, que sua depreensão quase não constitui problema para os aprendizes. Assim, se um principiante na escrita quer escrever a frase
a bola dela é amarela
é pouco provável que ele erre na segmentação das palavras, escrevendo, por exemplo,
abo lade laearna rela.
O tipo de dificuldade na depreensão de unidades vocabulares que se observa muitas vezes na prática do ensino são coisas como umavez,nonavio, minhavo, ou seja, falta de separação onde existe uma fronteira vocabular. O inverso - a colocação de um espaço onde não há fronteira - é mais raro. A alocação errada de fronteiras vocabulares onde não existem acontece, por exemplo, com palavras femininas que começam com [a] - minha miga, em vez de minha amiga ou com palavras masculinas que começam com [u] o niverso, em vez de o universo.
0 importante, na idéia da unidade da palavra, é que ela é o cerne da relação simbólica essencial contida numa mensagem lingüística: a relação entre conceitos e sequências de sons da fala. Temos , portanto, na escrita, duas camadas sobrepostas de relação simbólica: uma relação entre a forma da unidade palavra. e seu sentido ou conceito correspondente, e uma relação entre a seqüência de som, da fala que compõem a palavra e a seqüência de letras que transcrevem a palavra.
Esquematizando, temos, por exemplo:
O homem pensa na idéia panela, representa essa idéia pronunciando a palavra [panela] e representa os sons da palavra pronunciada por meio da seqüência de letras p a n e l a . Há uma primeira ligação simbólica entre o sentido de panela e os sons componentes da palavra [panela], e uma segunda ligação simbólica entre os sons dessa palavra falada e as letras com que a palavra é escrita.
Na prática escolar da alfabetização, há uma questão polêmica ligada ao fato de que a escrita contém, na verdade, esses dois níveis de representação simbólica: representação de conceitos através de sons através de letras. A polêmica é a seguinte:
alguns acham essencial que todas as palavras utilizadas nas primeiras etapas da alfabetização sejam conhecidas pelo alfabetizando. Por exemplo: se na região onde o alfabetizando mora não existe uva, não deveria ser usada a palavra uva nas classes de alfabetização. Outros acham que pode ser bom aprender palavras novas e brincar com sons desprovidos de sentido, pois isso ajuda o aprendiz a compreender a idéia de que as letras representam os sons da fala, e não diretamente o sentido. É certo que a escrita representa o sentido, mas indiretamente, intermediada pela representação dada pelas letras aos sons da fala. Por enquanto, fica a questão colocada, para ser pensada.
Há outra unidade da estrutura da língua importantíssima na escrita: a unidade sentença, que é representada começando por letra maiúscula e terminando por ponto. Se considerarmos que o alfabetizando já precisa ser capaz de identificar, na corrente da fala, as partes que são sentenças, estabeleceremos como quinto problema para o alfabetizando o reconhecer sentenças. Mas essa necessidade não precisa ser colocada logo de início, pois o aprendiz pode aprender a tomar consciência dessa unidade no decorrer de suas primeiras leituras.
Outro saber que precisa ser estabelecido logo no início do trabalho da alfabetização é a compreensão da escrita: a idéia de que a ordem significativa das letras é da esquerda para a direita na linha, e que a ordem significativa das linhas é de cima para baixo na página. Note que isso precisa ser ensinado, pois dessa compreensão decorre uma maneira muito particular de efetuar os movimentos dos olhos na leitura. A maneira de olhar uma página de texto escrito é muito diferente da maneira de olhar uma figura ou uma fotografia.








reflexões sobre alfabetização

FERREIRO,Emília.Reflexões sobre a alfabetização. São Paulo : Cortez.1996.

O livro traz ao leitor, através de quatro diferentes artigos, reflexões sobre a prática docente na alfabetização.
Suas colocações resultam de vários anos de investigação e pesquisas, por meio dos quais, ela compreendeu que a escrita não é apenas um código de transcrição, mas um sistema de representação de determinada realidade.
Dessa forma, aprender esse novo sistema, implica, para a criança, apropriar-se de um conceito, e não apenas uma série de técnicas e passos metodológicos; o que significa diversas tentativas, visando a uma produção.
Essa questão tem relação direta com a forma como a criança é ensinada no processo de alfabetização, uma vez que o docente, ou o estabelecimento de ensino, deve considerar a concepção da criança com respeito a esse sistema, encarando-o como um ser pensante, e que não depende do sistema escolar para desenvolver sua escrita, uma vez que seu contato com o “mundo letrado” se dá bem antes da escolarização. Por isso, não bastam técnicas de aprendizagem, mas a compreensão de como esse processo se dá para a criança, mesmo antes de escrever e ler da forma convencional.
Para tanto, baseada na teoria psicogenética de Piaget, a autora desenvolve pesquisas específicas com o intuito de aproximar-se dessas tentativas que a criança faz.
Os resultados mostraram, de forma geral, uma série de níveis pelos quais essa criança passa até chegar à escrita.
Primeiramente, a distinção entre desenho e letra, ou o que se pode e o que não pode ler. Depois ela passa por várias fases de diferenciação intrafigural e interfigural, nas quais se estabelecem determinadas propriedades quantitativas e qualitativas, com a necessidade de determinado número de letras ou variação entre as palavras para que possam ser “lidas”.
A terceira fase ocorre quando a criança compreende o processo silábico da escrita com base na fonética, partindo então para o silábico-alfabético momento em que as unidades fonéticas são identificadas.
A mudança de uma fase para a outra é determinada pelo conflito que surge quanto à hipótese formada pela criança, forçando um desequilíbrio para uma nova assimilação.
Na pré-escola, surge então a polêmica: “deve-se ou não ensinar a criança a ler e escrever na pré-escola?”. Segundo a autora defende a questão não é essa, mas sim o que se deve fazer para que as crianças aprendam, permitindo que experimentem as diversas formas da língua escrita, desenvolvendo o “gosto mágico” pela escrita, e pelo aprender.
A autora coloca sua preocupação com o ensino, especialmente nas escolas públicas que são o foco principal quando se quer mudar a realidade de um país, e defende que, para tal, a escola deve deixar de se considerar como a detentora das chaves secretas que conduzem à alfabetização, para se tornar criadora de condições para que a criança descubra, por si mesma, que a língua escrita é muito mais do que símbolos e grafias, mas um modo de existência da nossa língua falada, construída através dos tempos pela sociedade.

HIPÓTESES NA CONSTRUÇÃO DA ESCRITA

As pesquisas de Ferreiro & Teberosky,segundo Colello(2004),buscaram descrever e classificar as sucessivas etapas de produção da escrita, tentando compreender o motor que impulsiona esse processo de aprendizagem. Suas conclusões apontam quatro momentos básicos pelos quais passam a maioria das crianças, independentemente do processo de escolarização:

I) A escrita pré-silábica é produzida por crianças que ainda não compreenderam o caráter fonético do sistema. Ela pode aparecer das seguintes formas:

a) escrita unigráfica (figural): reflete uma concepção elementar da escrita porque:

• ela é mais ou menos semelhante na representação de diferentes palavras ou textos (sem diferenciação interfigural);

• é impossível de ser analisada nos seus elementos constitutivos (letras, ou sílabas).

Contudo, essa forma de escrever demonstra que a criança compreendeu o caráter arbitrário do traçado gráfico: o desenho de um gato, por pior que seja, deve guardar alguma semelhança com o animal; a inscrição desse termo está livre do compromisso de fidelidade figurativa. Nesse caso, pode-se dizer que a criança descobriu a possibilidade de representar um gato buscando um recurso não icônico.

b) escrita com letras inventadas (figuras 2 e 3): como a criança não conhece as letras convencionais, ela "cria o seu próprio sistema de escrita” cujas partes não têm relação com o valor sonoro do que se pretendeu representar. Esse tipo de escrita pode aparecer com ou sem variação inter ou intrafigural .( 1. Diferenciação interfigural: variação de símbolos nas diferentes palavras (nesse caso, o sujeito compreendeu que diferentes palavras são escritas de diferentes modos).2. Variação intrafigural: variação de símbolos numa mesma palavra.)

c) escrita com letras convencionais, mas sem valor sonoro convencional (figuras 4, 5 e 6): pode aparecer com ou sem variação figural.

II)escrita silábica (figuras 7, 8 e 9) representa um considerável avanço porque, nessa fase, a criança compreendeu que o sistema é uma representação da fala. Na tentativa de fazer corresponder "partes da fala” com "partes da escrita" , ela faz valer uma letra para cada sílaba. Tal como a escrita pré-silábica, as variações da escrita silábica podem ocorrer pela presença de letras convencionais ou inventadas, usadas com ou sem o valor fonético convencional.

III) A escrita silábico-alfabética (figura 10) é marcada por um momento de transição, no qual o indivíduo já percebeu a ineficácia do sistema silábico, mas ainda não domina o sistema alfabético. Na tentativa de acrescentar letras, ela acaba usando, numa mesma palavra, os dois critérios, podendo aproximar-se mais do silábico ou do alfabético.O resultado disso é uma escrita aparentemente caótica, nem sempre inteligível.

IV) Quando a criança conquista a escrita alfabética, compreendendo o valor sonoro de cada letra, ela pode ainda estar distante da escrita convencional, na medida em que não domine as regras e as particularidades do nosso sistema. Se considerarmos a ortografia, a pontuação, a acentuação, a divisão do texto em partes (palavras e parágrafos) entre tantas outras particularidades da escrita, pode haver ainda um longo e penoso caminho a ser percorrido (figura II).

As sucessivas hipóteses na conquista da escrita revelam, antes de tudo, o caráter essencialmente criativo da construção do saber. Por trás de cada produção incorreta e aparentemente aleatória, existe uma infinidade de concepções já formadas, de critérios inteligentes e de tentativas tão fecundas que, de algum modo, promovem a evolução.

O que está em jogo é o amadurecimento da consciência metalingüística, a partir da qual o sujeito consegue não só lidar com as propriedades formais da escrita e seus critérios de variação quantitativa e qualitativa, mas compreender, na prática, uma série de distinções fundamentais para aquele que se propõe a ler e a escrever. Entre tantas, podemos dar como exemplo a diferenciação entre:

sinais gráficos, letras e números;
imagem e texto;
fonema e grafema;
linguagem oral e linguagem escrita;
escrita e leitura, escrita e dialeto, escrita possível e escrita convencional?